terça-feira, 10 de junho de 2008

Buenas Ondas Verdes: Algumas reflexões sobre o papel do meio ambiente na geopolítica mundial

A questão ambiental tem ocupado um papel cada vez mais relevante nas relações internacionais contemporâneas. A negociação e implementação de tratados, acordos, convenções e a realização de reuniões internacionais com agendas amplas e complexas - como a RIO 92 - dão contornos a um sistema internacional multilateral imerso em conflitos e contradições. Novos processos emergem no cerne da dinâmica capitalista e contribuem para uma nova geopolítica global, como o fim da Guerra Fria, a reestruturação produtiva, a globalização econômico-financeira, a propagação da ideologia neoliberal e os avanços tecnológicos e científicos, principalmente no campo da biotecnologia.

Algumas temáticas ambientais, cujos impactos extrapolam as fronteiras dos Estados Nacionais, têm surgido com maior destaque na política internacional e influenciado a (re)configuração da geopolítica mundial. Neste sentido, podemos mencionar, na esteira do agravamento da crise ambiental mundial, problemas como a diminuição da camada de ozônio, a mudança do clima global, a perda da biodiversidade, a poluição dos ambientes marítimos e a devastação das florestas, além dos múltiplos desafios relacionados à água e à energia. A geopolítica contemporânea caracteriza-se, dessa maneira, pelo que Marília Steinberger definiu como “relações de poder de vários atores sobre o território”, extrapolando a perspectiva clássica de poder centrado exclusivamente no Estado. Bertha Becker, por sua vez, lembra que a geopolítica sempre foi marcada pela presença de pressões de todo tipo, intervenções no cenário internacional - desde as mais brandas até guerras e conquistas de territórios. E que esta geopolítica atua, hoje, sobretudo, por meio do poder de influir a tomada de decisão dos Estados sobre o uso do território.

A geopolítica contemporânea e o meio ambiente se entrecruzam, portanto, não somente nas tensões em relação ao território em si, mas também no tocante às (im)possibilidades de seu uso. O território entendido a partir de uma dimensão de fonte e de estoque de recursos naturais – o que no capitalismo é indispensável para garantir o lucro a partir da realização contínua dos ciclos de produção, distribuição, circulação e consumo – traduz-se na possibilidade de acesso ou de restrição, prevalecendo, muitas vezes, a idéia de natureza como “capital de realização atual ou futura”, segundo expressão usada por Bertha Becker.

Em outras palavras, a partir do controle do território, locus estratégico de poder, é possível – ao mesmo tempo e de maneira dialética – permitir ou impedir o uso de riquezas naturais, normatizando também atitudes e comportamentos, segundo análise feita por Paulo César da Costa Gomes. Uma interpretação, neste sentido, é dada por Rogério Haesbaert. Para ele, “é evidente que a preservação ambiental se torna uma questão cada vez mais relevante, não só mantenedora de condições ecológicas mínimas de sobrevivência, mas também enquanto ‘reserva (bio)tecnológica’”.

Berta Becker faz referência à assimetria de poder internacional para asseverar a existência de uma disputa das potências pelos estoques das riquezas naturais, uma vez que a distribuição geográfica de tecnologia e de recursos está distribuída de forma desigual. Segundo ela, “enquanto as tecnologias avançadas são desenvolvidas nos centros de poder, as reservas naturais estão localizadas nos países periféricos ou em áreas não regulamentadas juridicamente”.

Podemos considerar que poder e território – o último entendido em suas dimensões não só material, mas também simbólica – possuem interfaces que dialogam e se interpenetram, estando cada vez mais imbricados frente à crise ambiental. A apropriação e o uso das riquezas naturais passam a ser almejados por distintos atores, cada qual com suas intencionalidades e perspectivas de ação.

Um exemplo são os debates sobre “bens públicos globais”, correspondentes a riquezas naturais que deveriam ser compartilhadas entre todos os seres humanos, independentemente das fronteiras políticas e jurisdicionais existentes. Se por um lado considera a amplitude da escala dos problemas ambientais, a idéia de proteção compartilhada de riquezas naturais globais enseja, por outro, várias divergências políticas entre os países à medida que esbarra no conceito tradicional de soberania internacional e na autonomia na organização do uso do território. Essa discussão tem se mostrado particularmente presente em relação à Amazônia, ensejando repetidas declarações por parte de representantes brasileiros – inclusive do presidente Luiz Inácio Lula da Silva – de que a Amazônia brasileira pertence aos brasileiros.

Ao ser considerado elemento proeminente na definição dos contornos da geopolítica mundial, o meio ambiente projeta um cenário de desafios e possibilidades para o Brasil, que se constitui em global player (ator global) no que concerne à temática ambiental, mas que ainda busca se afirmar como tal. O Brasil ocupa uma posição de relevância na geopolítica mundial por deter um grande território, a maior biodiversidade do planeta, áreas extensas de florestas e reservas de água doce, apenas para citar algumas características. Entretanto, a busca de uma inserção mais efetiva e articulada, por parte do Brasil, nas discussões da agenda ambiental internacional esbarra nas assimetrias de poder entre os países desenvolvidos e em desenvolvimento.

O Brasil tem buscado desempenhar papel mais significativo, por exemplo, no que diz respeito à produção dos agrocombustíveis. Essa questão suscita muitas controvérsias, ao tratar, simultaneamente, de três grandes desafios da atualidade: segurança energética, mudança climática e combate à fome e à pobreza. Para o Brasil, o grande dilema, em âmbito interno, é conciliar a necessidade de desenvolvimento econômico e social, sem prejudicar a conservação dos recursos naturais. No plano internacional, o desafio é provar que a produção de biocombustíveis do Brasil atende a requisitos de sustentabilidade social e ambiental, o que vem sendo questionado por acadêmicos, organismos internacionais, ONGs e diversos países, principalmente produtores de petróleo que se beneficiam do predomínio mundial da matriz energética de base fossilista. Os interesses econômicos são “pano de fundo” mais amplo dessa e de outras problemáticas ambientais, influenciando sobremaneira os contornos da geopolítica global.

Nas últimas décadas, os processos cooperativos internacionais surgem com a promessa de que podem ter papel relevante na promoção do desenvolvimento econômico, social e ambiental dos países. Em contraponto à ajuda internacional meramente assistencialista – presente, por exemplo, nas políticas americanas preconizadas pelo Plano Marshall no período Pós-Segunda Guerra –, emerge uma nova roupagem para a cooperação internacional, à medida que teria capacidade de proporcionar benefícios que extrapolariam a fronteira dos Estados Nacionais e proporcionariam soluções “coletivas” para problemas comuns, como a crise ambiental global.

Entretanto, um grande desafio ainda permanece como elemento precípuo da geopolítica global face à crise ambiental: desenvolver um sistema internacional mais justo e igualitário entre povos e países.



Rafael Jacques

3 comentários:

m. disse...

Ei Jacques! Que bueno ter você por aqui. Acha mesmo que a cooperacao sul sul pode efetivamente encontrar solucoes que nao esbarrem nos "poderosos"?

senhorita sartori disse...

Seja bem vindo buenas ondas verdes!

Buenas Ondas Verdes disse...

Olá !!!! Bom estar com vocês aqui. Acho que a cooperação sul sul pode ser uma ferramenta interessante de transferência de tecnologia, conhecimento... enfim, de capacity building. Mas, para tal, não pode reproduzir as orientações tradicionais da cooperação "norte-sul", que apresentam tantas condicionalidades e são mais um instrumento nefasto de política externa do que qualquer outra coisa. A cooperação sul-sul aparece como orientação estratégica para o Brasil, temos bons exemplos, como o melhor Programa de Assistência aos portadores de HIV do mundo... mas, na prática, basta olhar para o definhamento da Agência Brasileira de Cooperação pra entender que a retórica prevalece sobre a prática... O Brasil continua cegamente se voltando para a EUA e Europa...Enquanto isso não mudar, continuaremos sonhando com os cafés de Paris e acordando com os gritos das crianças mortas no Haiti.